K E UMA NOVA CHANCE

6 Paulo Mohylovski
paulomohylovski@uol.com.br

1

Era uma noite chuvosa quando recebi um telefonema da polícia. Por um momento, senti uma espécie de vertigem quando ouvi o nome de K. Ele não disse exatamente o nome dela, apenas me informou que uma garota foi encontrada em estado catatônico andando nos trilhos de uma ferrovia. Quando foi presa, ela se recusou a dizer quem era. Apenas disse meu nome e meu telefone.

Desliguei e troquei de roupa. Estava com os gestos mais lentos, o corpo pesado, uma vontade de não ir encontrá-la. Peguei um táxi e cheguei na delegacia. Foi recebido por um policial que me levou até uma sala. Através de um vidro, eu pude ver K, ainda com os cabelos molhados e com o olhar perdido. Ela não conseguia me ver. Enquanto o policial falava comigo, eu olhava para K. Não sentia nada por ela, a não ser pena. E não era um sentimento muito agradável de sentir.

- Esta garota está precisando de um tratamento médico. O que o senhor é dela? - o policial me perguntou.

Por um momento, pensei em despejar toda a verdade:

- Quer mesmo saber o que sou dela? Eu sou o seu dono ou se preferir, o seu Mestre. Ela é minha escrava sexual, minha cadela, mas eu não quero mais estes jogos insanos. Isto mesmo que o senhor ouviu. O sadomasoquismo é um jogo insano, tão viciante quando uma droga. Eu quero minha vida de volta. O senhor me entende? Eu não quero mais esta putinha grudada em mim. Ela que vá cuidar da vida dela. Que vire uma puta, uma traficante, uma bandida ou uma simples dona de casa. Ou que continue suicida e arrume um jeito bem extravagante de se matar, como este que ela arranjou: atropelada por um trem.

É claro que não falei nada disso. Respondi prosaicamente:

- Sou um amigo!
- Pois o senhor deve cuidar dela. Esta garota está muito mal. Está fragilizada. Não conseguiu dizer nada. Não sabemos nem o nome dela. O senhor poderia nos informar qual é o nome dela.

Falei o verdadeiro nome de K. Ele anotou numa ficha e depois me conduziu até a sala onde K estava. Quando ela me viu, não se atirou nos meus braços como pensei que fosse fazer. Apenas virou o rosto e me fixou o olhar.

- Por que você fez isso? - perguntei depois de uma longa pausa.

O policial virou as costas, nos deixando sozinhos.

Uma lágrima começou a cair do olho de K.

- Eu não sei. - ela respondeu.
- Você é uma louca! - disse, acendendo um cigarro.

Dei uma longa tragada.

- Você está com frio? - perguntei.
- Um pouco.

Tirei meu casaco e o coloquei nas suas costas.

- O que você estava pretendendo fazer?
- Não sei.

Explodi:

- Pare de não falar "não sei".

Eu me controlei.

- Eu vou te levar para a minha casa.

Ela esboçou um sorriso triste e dolorido.

Assinei um papel me responsabilizando por ela. Pedi desculpas para o delegado e para os policiais sem saber muito bem porque. Depois saímos da delegacia e pegamos um táxi. Durante todo o trajeto, K ficou em silêncio e se aconchegou nos meus braços. Fechou os olhos. Pensei que tivesse adormecido. Quando o táxi parou, ela ergueu a cabeça e perguntou:

- Chegamos?

Enquanto pagava o taxista, respondi que sim. Saímos correndo até o portão. Abri rapidamente e entramos. Estávamos encharcados, apesar da chuva ter diminuído um pouco.

- Vou fazer um café para você. Daqui a pouco estará amanhecendo. Não sei se vou conseguir dormir.
- Eu te ajudo a fazer o café.
- Não precisa. Você vai tomar um banho bem quente e colocar aquele pijama que você me deu e eu nunca usei. Você sabe onde ele está, não sabe?
- Sei.

Ela subiu até meu quarto enquanto eu fazia o café. Enquanto a água fervia um filme passou pela minha cabeça. Eu me lembrei dos últimos cinco anos. Do nosso primeiro encontro numa livraria. K estava de cabelos curtos, uma calça jeans bem apertada e já tinha um olhar perdido e melancólico. Ela parou exatamente ao meu lado. Tinha toda uma grande livraria vazia para ela escolher ficar e foi ficar justamente do meu lado. Eu estava lendo trechos do livro "O Garçom B". Era um livro excitante, onde uma mulher narrava as suas aventuras como submissa.

Não sei porque, me virei para K e disse:

- Este livro é muito interessante. Uma mulher conta como foi dominada sexualmente por um homem, um garçom. É um livro forte, de sadomasoquismo.

Ela me olhou como se estivesse surtado, mas depois respondeu de uma maneira simpática e adolescente:

- Legal!

Conversamos mais um pouco e eu comprei o livro para ela. Fomos andar pelo shopping, conversamos, rimos e trocamos telefone.

Depois tudo foi acontecendo naturalmente, ou melhor, artificialmente, pois não há nada mais antinatural que o sadomasoquismo. Ela foi a minha modelo perfeita. Tudo aceitou, até mesmo a mudança de nome. Pude percorrer com ela todos os caminhos que esta prática sexual pode nos levar. Depois me cansou e eu não quis mais. Ela chorou, implorou, se embebedou e fez escândalo diante da minha casa. De nada adiantou, mas agora nós estávamos novamente juntos, numa madrugada, depois da sua tentativa de suicídio.

A água do café ferveu sem que eu percebesse. K apareceu na cozinha. Estava nua e provocante.

- É este o pijama? - ela perguntou, me mostrando a peça de roupa.
- Você sabe que é.

Ela sorriu melancolicamente e se virou.

- Espere. O café já está pronto!

Ela se voltou e esperou que eu lhe desse uma xícara. Começou a beber lentamente. Fazia biquinho para assoprar o café. Bebemos em silêncio.

Quando terminamos, eu lhe disse para ir tomar banho. Ela esperou por alguns segundos e perguntou:

- Você não quer me dar banho?

Era uma proposta perversa. Senti novamente a pulsação de algo estranho me dominando, como se estivesse sendo possuído pela minha personalidade demoníaca que eu tanto detestava:

- Tudo bem, eu te darei este banho!

Ela sorriu cheia de confiança:

- Ótimo! - ela disse e me ofereceu a mão.

Eu a segurei firmemente e subimos de mãos dadas até o banheiro.

2

- Pronto! - eu disse, fechando a torneira.

K me olhou com o olhar afogueado. Eu tinha ficado silencioso durante todo o tempo que durou o banho e como sei exatamente onde e como tocá-la, excitei-a lentamente, tocando em cada parte do seu corpo que mais a deixava em fogo.

Quando terminei, ela estava ofegante e perplexa. Tentou controlar os seus gemidos. Não queria me perturbar com a sua excitação. Eu me concentrei ao máximo, tentando tirar daquele corpo todo o prazer que pudesse.

Ela me aguardava em silêncio. Eu parei no momento exato em que não haveria mais nenhuma chance de controle. K estava agora nua e com uma excitação terrível. Peguei a toalha e comecei a enxugá-la. Cada parte que eu secava, a pele se arrepiava. Enxuguei seus cabelos por último. Gotas de água ainda caíram por sobre seu corpo. Uma delas caiu bem em cima do seu seio. Abocanhei aquele bico úmido e lhe dei uma chupada terrível. K se encostou no ladrilho do banheiro e suspirou profundamente:

- Que bom!

Parei.

Mais uma vez, ela me olhou de uma maneira perplexa.

- Saia! - exigi secamente.

Ela colocou um pé para fora e saiu do box. Depois ficou parada, nua, bem no meio do banheiro. Peguei a camisa do pijama e joguei em cima dela:

- Se vista!

Ela colocou a camisa e ficou com a parte debaixo sem nada.

- Está com sono?
- Não - ela se apressou a responder.
- Mas vai dormir. A noite foi terrível. Pensa que é fácil ser acordado no meio da madrugada pela polícia, dizendo que uma garota tentou se matar, andando nos trilhos de um trem?

K ficou cabisbaixa:

- Desculpe!
- Tudo para você funciona deste jeito, não é mesmo? Acha que basta um simples pedido de desculpas para ser perdoada e aprontar de novo.
- Eu não vou aprontar mais.
- Palavras! Palavras! Palavras!

Ela ficou constrangida:

- Eu não sei o que dizer.
- Não diga nada e vá para o quarto.

K fez que sim com a cabeça e foi para o quarto.

Fiquei ainda um tempo no banheiro. Acendi um cigarro e me olhei no espelho. Estava com uma cara amarrotada. Meu rosto estava com uma barba mal feita cheia de pêlos brancos. Meus dentes eram amarelados e podres. Não sei como uma garota como K, tão pálida, tão branca, tão romântica, podia se ligar a um sujeito como eu?

Saí do banheiro e desci as escadas. Fui até o quintal. Estava uma noite clara. O maldito passarinho que anuncia o amanhecer começou o seu canto monótono e repetitivo. Olhei para o quintal. Latas vazias, pedaços de madeiras, ferramentas enferrujadas, sacos plásticos. Tudo espalhado. Tinha feito uma pequena reforma no quarto dos fundos. Os pedreiros deixaram toda aquela bagunça com a promessa de virem arrumá-la. Nunca vieram. Depois do pagamento, sumiram. E aquilo tudo se amontoava pelos cantos e eu não sabia dar fim aquele amontoado de trastes. Mas não iria pensar naquilo agora. Afastei algumas latas e peguei uma ripa de madeira. Eu me certifiquei que não havia nenhum prego grudado nela. Depois entrei em casa e subi as escadas lentamente.

O quarto estava às escuras. Chamei por K.

- Estou aqui. - ela disse.

Fiquei parado na porta do quarto. Aos poucos, me acostumei com a escuridão.

- Por que você fez isso?

K não falou nada.

- Por que você tentou se matar?
- Não era a minha intenção.
- Era o que, então?
- Eu simplesmente comecei a caminhar sem saber por onde. Quando vi, estava nos trilhos e eu me lembrei de mim mesma quando era criança e brincava ao lado da ferrovia. Eu não queria me matar. Eu apenas me vi novamente sozinha e frágil e sem ninguém. Você sabe que sou sozinha no mundo e a solidão pesou ainda mais quando você me expulsou da sua casa. Eu fiquei completamente perdida. Não quis te magoar, Paul. Eu quis apenas andar, andar por aí, sem rumo, sem nada. Você tem que entender e você tem que me perdoar.

Ri.

Uma risada irônica e cruel:

- Você acha mesmo que perdoar é assim tão fácil? Você quer que a gente continue juntos como se não tivesse acontecido?
- Eu sei que é difícil...

Eu a interrompi:

- É difícil lidar com a loucura. Eu não sei lidar com a minha. Nunca soube e nunca saberei. É por isso que escrevo. Eu jogo minha violência nas palavras. Mas eu não sei lidar com a sua loucura. Confesso que estou com medo de você.
- Por que?
- Cheiro de morte. Alguém que não dá a mínima para a sua vida é capaz de qualquer coisa. Até de matar. Ou morrer...
- Não, Paul, não!

Ela pulou da cama e veio me abraçar. Os seus braços me apertaram com força. Neste momento, ela percebeu a madeira e perguntou:

- O que é isso?
- Acha mesmo que tudo vai ser simples como se nada tivesse acontecido? Não, não vai ser. Por esta noite, pelas próximas noites, pelas loucuras todas, pelo seu mimo, pelo meu ódio, por tudo enfim, você não vai ficar ilesa.
- O que você vai fazer? - ele perguntou, assustada.
- Vire-se!

Os seus olhos estavam esbugalhados de terror:

- Por favor, Paul.

Estiquei o braço ao máximo e descarreguei a madeira no seu traseiro. Ela deu um grito forte e medonho:

- Por favor!

Dei outra pancada seca nas suas pernas. Ela se dobrou um pouco e gritou:

- Isto dói muito!

Ela estava choramingando.

Dei mais outra pancada. Desta vez, nas suas costas. Mais um grito.

- Os seus gritos estão me enervando.
- Desculpe - ela disse baixinho.

Peguei um lenço de seda e amordacei sua boca. Dei uma pancada bem forte nas suas pernas e outra na sua bunda. K tentou escapar.

- Pegue as cordas debaixo da cama!

Ela se abaixou e pegou as cordas. Estava trêmula e amedrontada. Parecia um bichinho frágil e assustado.

Enquanto assobiava uma ária de Mozart, eu amarrei seus braços para trás e depois a coloquei ajoelhada em cima da cama. Curvei o seu corpo até a sua cabeça alcançar o colchão. Dobrada daquele jeito, a sua bunda ficava um alvo fácil para as minhas investidas.

Liguei o rádio na Cultura. Por coincidência, Mozart encheu o ambiente com sua música refinada e alegre.

Comecei a bater com toda a minha força. Dei quase dez pancadas com a madeira e fiquei com o braço dolorido.

A bunda de K estava arroxeada e ficando levemente inchada.

Eu estava com o espírito leve, mas carregado de luxúria. Puxei K pela corda e a coloquei de pé. O seu rosto era uma careta de dor e agonia. Tirei a mordaça e beijei a sua boca. Depois coloquei a mão por dentro do pijama e afaguei seu seios.

- Ajoelhe e me chupe.

Sem esboçar a mínima reação, K se ajoelhou com dificuldade. Começou a me chupar tão logo encostei meu membro na sua boca. Ela não estava dando o melhor de si, mas mesmo assim fiquei muito excitado. Quando ela olhou para cima e vi seus olhos e vi a sua boca no meu pau, comecei a gozar. Fechei os olhos e fui parar em algum lugar do universo que me fez sorrir de satisfação.

Quando olhei para baixo, K continuava me olhando com a boca toda lambuzada. Eu a puxei para cima e a desamarrei:

- Vá se limpar e depois vá dormir.

Ela não disse nada. Foi para o banheiro e voltou minutos depois:

- Boa noite - ela disse, entrando debaixo do lençol.
Eu me aproximei, beijei a sua testa e lhe desejei uma boa noite de sono.

Quando olhei para a janela, um raio de sol entrava por uma fresta.

O dia estava amanhecendo...

Paulo Mohylovski

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